sábado, 30 de novembro de 2013

SINDROME DCD
Flaubert estava familiarizado com a ideia de que existem dois caminhos no pensamento humano: o das sensações ordinárias, realidade sensorial, e o de uma realidade produzida como se fosse uma paralela da outra. O que provoca na modernidade esta realidade paralela é o tédio e a estupidez. Existem dois tipos de tédio: o comum, do qual todos sofremos em algum momento, e o tédio moderno, típico de uma geração, que caracteriza um mundo de progresso que oferece distrações fictícias e uma vida baseada no senso comum, desprovida de surpresas. Quanto á estupidez não se dá conta do absurdo de seus desejos, não consegue olhar a realidade de frente, não faz nada de efectivo para melhorar a própria sorte ou tentar compreender o seu comportamento – e não tem o menor interesse pelas preocupações alheias. Esta forma de Flaubert caracterizar a sua personagem mais famosa " Madame Bovary " deu origem ao Bovarismo - patologia psicológica que se caracteriza pelo estado de insatisfação crônica de um ser humano provocando uma incapacidade de adaptação á realidade. Há a possibilidade de que a mente humana seja tão inerentemente imperfeita que mesmo os pensamentos mais simples não correspondam a nada de real?
Embriaguez psicológica
Seu mal era uma doença chamada consciência, enfermidade própria de quem tem pouco sentido prático e prefere viver nas nuvens, como um sonhador. E um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, outras vezes muito triste, às vezes violento, noutras terno e compreensivo, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honrados sentimentos (…). Não é uma vida assim uma tragédia? Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura?......... "Texto adaptado"

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar com lágrimas, sobre o meu próprio eu. Acabo de ter uma espécie de cena com a tia Rita acerca de F. Coelho. No fim dela senti de novo um desses sintomas que cada vez se tornam mais claros e sempre mais horríveis em mim: uma vertigem moral. Na vertigem física há um rodopiar do mundo externo em relação a nós: na vertigem moral, um rodopiar do mundo interior. Parece-me perder por momentos, o sentido da verdadeira relação das coisas, perder a compreensão, cair num abismo de suspensão mental. É uma pavorosa sensação esta de uma pessoa se sentir abalada por um medo desordenado. Estes sentimentos vão-se tornando comuns, parecem abrir-me o caminho para uma nova vida mental, que acabará na loucura. Confiar em mim próprio? Que confiança poderei eu ter nestas linhas? Nenhuma. Quando volto a lê-las, o meu espírito sofre percebendo quão pretensiosas, quão a armar a um diário literário elas se apresentam! Nalgumas até mesmo cheguei a fazer estilo. In "Desassossego"

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Bichinhos
Cada um tem o seu bichinho de estimação. São pequeninos, inofensivos, ninguém dá por eles. Levamo-los debaixo da manga, no chapéu ou em algum saco velho, aparentemente esquecido na bagagem do carro. Ás vezes a vida corre-nos tão bem que quase nos esquecemos deles, esta nossa companhia das horas mortas. De súbito ouvimo-los pedir alimento, um som pouco familiar, meio assustador, um grunhido abafado, esfomeado, descontrolado. Vamos ver o que se passa - é um hábito do passado, um circulo incompleto, uma inofensiva presença. Pobre ser, tão cheio de esperanças e nós práqui com tão falta dela. Pedimos-lhe silêncio, só um tempo para pensar, tentamos ser frios, sensatos, mas de dentro vem uma força de abraçar este lado negro, que só pode ser saudade. Reentramos no Outono do nosso Ser, convidando a vida a dar mais uma volta à origem. Os argumentos contra são muitos, mas o coração é insensato e aqui e ali, vai encontrando bons motivos para futuro debate. Afinal de contas não somos nem sombra nem luz, mas algo de permeio. Mas como saber ser uma não-substancia se rejeitamos ser o que não somos. Se a razão sempre ditar o nosso percurso não ficaremos para sempre divididos? Não será o desejo de unidade um sentimento de pura revolta? Afinal de contas uma espiral sempre se parece com um circulo e ao fim de umas três voltas também ela se torna chata e previsível. Não será o medo do bichinho o mesmo medo de nos criar-mos? "O Corvo Azul"
Os cinco horizontes estão aqui para nos entreter. Rastejamos ao sabor da invasão que os perpetua pelos poros da imaginação , desafiamos a gravidade da terra e do mar e respiramos o ar que já foi nosso, convencemo-nos da estabilidade ornamental da lua e do sol, repetimos as palavras que satisfazem o esquecimento ao redor da bússola do tempo.