Bichinhos
Cada um tem o seu bichinho de estimação. São pequeninos, inofensivos, ninguém dá por eles. Levamo-los debaixo da manga, no chapéu ou em algum saco velho, aparentemente esquecido na bagagem do carro.
Ás vezes a vida corre-nos tão bem que quase nos esquecemos deles, esta nossa companhia das horas mortas. De súbito ouvimo-los pedir alimento, um som pouco familiar, meio assustador, um grunhido abafado, esfomeado, descontrolado.
Vamos ver o que se passa - é um hábito do passado, um circulo incompleto, uma inofensiva presença. Pobre ser, tão cheio de esperanças e nós práqui com tão falta dela.
Pedimos-lhe silêncio, só um tempo para pensar, tentamos ser frios, sensatos, mas de dentro vem uma força de abraçar este lado negro, que só pode ser saudade.
Reentramos no Outono do nosso Ser, convidando a vida a dar mais uma volta à origem.
Os argumentos contra são muitos, mas o coração é insensato e aqui e ali, vai encontrando bons motivos para futuro debate.
Afinal de contas não somos nem sombra nem luz, mas algo de permeio. Mas como saber ser uma não-substancia se rejeitamos ser o que não somos.
Se a razão sempre ditar o nosso percurso não ficaremos para sempre divididos?
Não será o desejo de unidade um sentimento de pura revolta?
Afinal de contas uma espiral sempre se parece com um circulo e ao fim de umas três voltas também ela se torna chata e previsível.
Não será o medo do bichinho o mesmo medo de nos criar-mos?
"O Corvo Azul"
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